quinta-feira, 13 de maio de 2010

A Vezeira no Gerês

Um dos aspectos mais característicos do regime comunitário no Norte de Portugal, é a forma de pastoreio.
Tendo em conta que a criação do gado é a forma tradicional de economia, de vital importância para a subsistência do povo, é dada uma enorme relevância às condições de vida e vigilância deste mesmo gado. A vezeira representa um sistema antigo de pastoreio colectivo do gado, cuja origem remonta provavelmente a tempos pré-romanos. A vezeira consiste na junção dos rebanhos duma aldeia para serem pastoreados em terrenos comuns – baldios. É baseada no agrupamento dos proprietários de gado, seguindo regras estabelecidas de funcionamento desta forma comunitária, transmitidas de geração em geração. O papel principal de todos os membros da vezeira é conduzir o rebanho à vez. O tempo passado a guardar atribuído a cada indivíduo é proporcional ao número de cabeças por si incluídas na vezeira. Sendo assim, este processo possibilita a disponibilidade “de braços” para outros trabalhos necessários, tanto sazonais, como urgentes. Era habitual encontrar vezeiras de vacas e de bois, de cabras, e de ovelhas.

Nalgumas terras havia também vezeiras de porcos, de cavalos e mesmo de burros. Hoje em dia podemos ainda registar vezeiras de gado bovino, caprino e, esporadicamente, ovino. A mais importante do ponto de vista económico é a vezeira de gado bovino, tradicionalmente efectuada desde Maio até Setembro, utilizando em comum os terrenos baldios das serras e o touro de cobrição. Acabando a época da vezeira, os proprietários começam a tomar conta dos seus efectivos, pois o Inverno exige mais cuidado com o gado.

A Vezeira de Fafião
A vezeira de Fafião é um excelente exemplo de acordo de vezeira pela sua eficácia e dinamismo. É importante referir o facto de que antigamente havia nesta aldeia cinco vezeiras diferentes: vezeira de bois, de vacas, de cabras, de cabritos e de ovelhas. Actualmente, nesta aldeia, por surgirem outras ocupações económicas e pela alteração do estilo de vida tradicional, apenas se realizam uma vezeira de gado caprino e uma de gado bovino. Cada proprietário deverá pastorear o gado um número de dias proporcional aos seus efectivos. A associação da vezeira de Fafião é constituída pelos representantes das famílias envolvidas que todos os anos se juntam no primeiro Domingo do mês de Maio para resolverem os assuntos ligados quer ao ano anterior, quer à época que começa. Este acontecimento é chamado ajuntamento.

O Dia das Cabanas
Assim é designado, pelos locais, o dia inicial da vezeira das vacas em que o gado pela primeira vez aproveitará os pastos dos terrenos comuns. Neste dia participam todos os associados que sobem à serra com o fim de criar condições adequadas para a época em causa. Carregados de ferramentas e outros utensílios necessários aos arranjos, incluindo equipamento de cozinha, e não esquecendo comida e bebida, todos os participantes sobem separadamente até ao lugar de encontro – a primeira área de pastagem. Neste local, ocorre a contagem de cabeças dos bovinos trazidos. É neste local que ficará o rebanho por algum tempo e onde os pastores dormirão na sua cabana. Esta área, tal como outras áreas de pastagem, inclui uma zona de pastos, um curral, uma cabana e uma fonte ou outro acesso a água.
Hoje em dia, nos baldios da vezeira de Fafião, encontra-se ainda em utilização cerca de uma dezena de currais e respectivas cabanas. Quanto à construção das cabanas – pequenos abrigos espalhados pelos montes, servindo de pernoita aos pastores nos meses de vezeira - estas são construídas, maioritariamente, em pedra, possuindo diversas variantes, conforme a época em que foram construídas.

Muitas vezes, na sua construção, é aproveitada a natureza do terreno (elevação, pedras grandes ou rochas para uma parede). A cabana tradicional, é constituída por uma estrutura em forma de “colmeia” (aproximadamente cónica, com cerca de 2 ou 3 metros de diâmetro), em que as pedras são empilhadas em círculos irregulares sucessivamente mais fechados até ser atingida uma determinada altura (cerca de 1.5 m). A partir desta altura são colocados terrões, da mesma forma, até se atingir o ponto mais alto. Os terrões proporcionam algum isolamento e protecção da chuva. No interior há um espaço destinado a uma pequena fogueira.
Ao lado das cabanas são geralmente colocadas pedras de modo a proporcionar mesas e bancos para as refeições. O curral é o lugar de pasto, de recolha e de contagem do gado ao fim do dia. A zona de pastagem é limitada por portelos, muros toscos e relativamente baixos, construídos em pedra, com a função de impedir os animais de passar para além da área delimitada.
No Dia das Cabanas, dividem-se os participantes em grupos cuja função é a de tratar da manutenção e conservação dos vários componentes relacionados com a vezeira – cabanas, currais, portelos, etc.
Uma destas actividades é a limpeza das cabanas. Também é efectuado a revisão e manutenção dos caminhos, de modo a facilitar o acesso, bem assim como a reparação dos portelos, e das mariolas - pedras amontoadas em forma de pirâmide, assentadas quer em sítios mais baixos, quer mais elevados, com o objectivo de indicar os trilhos dos pastores em situação de nevoeiro ou em trechos menos reconhecíveis.
O gado barrosão é muito valioso e exige um cuidado particular por parte dos seus proprietários. Assim, a função de levar o gado à serra constitui uma enorme responsabilidade, devido ao valor global de todo o gado envolvido, cujo número poderá atingir uma centena de cabeças. A vezeira é regida por regras específicas. Um participante deverá guardar o rebanho um número de vezes aproximadamente proporcional ao número de cabeças que possui. No caso de Fafião, dois bovinos correspondem a um dia a guardar o rebanho num sistema rotativo. No caso de possuir, por exemplo, 3 cabeças de gado, deverá num ciclo guardar uma vez e no ciclo seguinte duas vezes. O número de rodas numa época dependerá do número total de participantes e de cabeças de gado.
À medida que vai terminando a época da vezeira, o gado começa a ser trazido por alguns proprietários para as suas casas. Todavia, este facto não implica a omissão da obrigação de continuarem a guardar o rebanho. O fim da vezeira é estabelecido para o dia de 29 de Setembro, sendo esse hábito anual.

Fonte: http://is.muni.cz/th/32145/ff_b/FINIshka.pdf

9 comentários:

  1. Excelente post. Gostei bastante. Cumprimentos, Jorge Sousa www.bota-rota.blogspot.com

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  2. Olá Jorge!
    Muito obrigada... sim, penso que tem a informação essencial, e com fotos tiradas no dia da subida e limpeza das cabanas...
    Abraço.

    Alice Mota

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  3. Lino Pereira, Fafião7 de abril de 2011 às 20:01

    muito bem.
    este post relata bem a actividade que é a vezeira d animais e este caso concreto que é o dia das cabanas. um bem haja.

    Cumprimentos,

    Lino Pereira
    Fafião

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  4. Obrigada Lino. Caso saiba de mais alguma informação que eu possa acrescentar, agradeço...:)

    Abraço
    Alice

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  5. Cara Alice,
    Gostei muito de descobrir o seu blogue, pela montanha, filosofia, fotografias e palavras. E agora este post sobre a Vezeira - quando mais informação houver sobre esta joia da cultura do Gerês, Portugal e Mundo, melhor.
    Cumps,
    João M. Gil (Fotógrafo, "Paisagens, Gentes e Culturas"

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  6. Caro João Gil.
    Agradeço a passagem por este espaço que partilho com todos os amantes da montanha e da filosofia.
    Volte sempre ao Espírito da Montanha.
    Cumps,

    Alice Mota

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  7. Obrigado !
    Deste-me uma boa ajuda documental para a minha tese.
    Nela haverá,é claro, a referência ao teu blog.
    Um abraço.

    Kurcudilo

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  8. Caro Kurcudilo,
    Eu é que agradeço a passagem pelo Espírito da Montanha.
    Volte sempre.

    Alice

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  9. Muito bom este texto.Tudo isto é parte da identidade que não poderá ser esquecida. Obr.

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