quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Estrada antes da curva

Para além da curva da estrada 
Talvez haja um poço, e talvez um castelo, 
E talvez apenas a continuação da estrada. 
Não sei nem pergunto. 
Enquanto vou na estrada antes da curva 
Só olho para a estrada antes da curva, 
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva. 
De nada me serviria estar olhando para outro lado 
E para aquilo que não vejo. 
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos. 
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer. 
Se há alguém para além da curva da estrada, 
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada. 
Essa é que é a estrada para eles. 
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos. 
Por ora só sabemos que lá não estamos. 
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva 
Há a estrada sem curva nenhuma.

Alberto Caeiro



2 comentários:

  1. Sei que nas palavras acima não há carro ou volante, apenas a brutalidade bela da natureza deixada a sós, mesmo que humanamente construída.
    Por isso, atrevo-me a responder (atrevimento, pois sim, e desculpas pela companhia de palavras outras, já que as acima mais que bastavam, e portanto apagá-las podes!) com [*]:
    Álvaro de Campos
    Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra

    Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
    Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
    Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco
    Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,
    Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
    Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,
    Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?
    Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,
    Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.
    Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem consequência, Sempre, sempre, sempre,
    Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
    Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida. . .
    ….


    Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944
    [*] Pensei em Walt Whitman, no «Cântico da Estrada Aberta» mas nem é preciso, pois perpassa em muitas das palavras acima.

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  2. Magnífico :)
    Obrigada pela companhia das palavras.
    Volta sempre.

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